A menina que riscava

>> sexta-feira, 24 de agosto de 2012


Já contei para vossas mercês que há muito tempo atrás participei de um programa de incentivo à jovens artistas, a Oficina de Arte do MAUC (museu de arte da UFC), quando eu era um pouco mais velha que uma erê. Já desenhava tirinhas no jornal da escola, que foram parar em um jornal de grande circulação da cidade, por conta de um concurso. Quando ganhei e fui lá receber "o prêmio", uma pessoa da redação sugeriu que procurasse a Oficina de Arte e não deu outra.

Isso foi muito importante para minha vida, para a minha formação humana e sim, profissional, porque ao final do curso, ensaiei umas aulinhas como professora de técnica de desenho e me senti muito cheia de mim, porque de falsa modéstia eu não morro. Antes que me odeiem, de soberba também não. Apenas valorizo o que sei fazer, reconheço meus dons (todos temos) e não invento talentos e importâncias que não me cabem, porque conheço o meu lugar. Seria muito bom se todos conhecessem.

Mas fora esse período feliz da minha vida (foram uns três anos) desenhei croquis numa loja de tecidinhos em Fortaleza ou como diziam as clientes, costureiras do Montese, eu "riscava uns vestido". Olha. Mas foi bom também, porque como modista (era como chamavam a gente na loja) ganhava um salário que pagava meu material escolar, umas frescurinhas de adolescente, fora o cinema do fim de semana. Tempos difíceis. E bons. Já na Oficina o ganho era puramente imaterial. Porque até os materiais que usávamos na Oficina, ficavam nas Oficina. Mas foi na Oficina de Arte que requintei os meus conhecimentos de desenho e pintura, que eram puro empirismo antes. 

Um senhorzinho que morava perto de casa, que sempre via lavando a calçada com jatos dáegua da mangueira (consciência ecológica em Fortaleza dos anos 1990?), um dia me viu passar com a pasta e o canudo da Oficina, daí perguntou se eu era artista. Foi uma lindeza, porque né, raros eram os momentos em que alguém chamava de desenhista, artista. Era sempre "aquela menina que risca bem", que "gosta de desenhar". Não é só uma questão de gostar de desenhar (ou riscar - ódio), eu sabia desenhar. Mas era pedir demais né, porque a verdade é que a grande maioria das pessoas  não sabe a diferença de giz de cera e pastel, compram "arte" pra enfeitar parede, acham na verdade que as artes são um disperdício de tempo e que Museus deveriam ser substituídos por estádios de futebol. Ou algo assim. A mesma mentalidade de quem pragueja contra quem compra livros. Não me perguntem.

Bem, aquele senhorzinho era pintor, cheio de boas intenções. Acho que gostou de mim, porque eu conhecia Degas. Sempre parava uns cinco minutinhos pra conversar com ele sobre a Oficina, sobre a escola. Ele tentava me convencer a tirar ao menos dois pares de brincos das orelhas (eu tinha/tenho cinco), claro que sem sucesso. Não, ele não era um pervertido. Um dia me deu uns três livros de técnicas avançadas de desenho, que foram como livros sagrados pra mim, até perdê-los em uma mudança. Pouco tempo depois disso Sr Bentes (o nome do meu benfeitor) ficou muito doente, foi internado e morreu. A casa dele virou um jardim de infância. Achei adequado.

Lembrei disso tudo em digressões sobre a minha formação que é, basicamente, não acadêmica, já que não tenho diploma de Belas Artes, apesar de um portfólio consistente. Fora que alguém me perguntou como é que se faz para aprender a desenhar. Essa pergunta maldita me persegue.

De um jeito ou de outro todos sabemos desenhar sim. É como a nossa escrita, uma vez exercitada, vai melhorando, adquirindo personalidade. Só que, como existem letras e letras, existem desenhos e desenhos. Alguns nascem sabendo "riscar" e, conforme praticam, ou seja desenham, vão melhorando, melhorando, chagando à perfeição, como o filho de quenga do Rembrandt (inveja). Outros podem cursar Belas Artes em Florença (tu juras?) que sempre estarão na média, medíocres. Talento precisa de técnica, mas só a técnica não funciona.

Inté.

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