Os quatro *cavaleiros da Moda
>> quarta-feira, 16 de junho de 2010
{Da esquerda para direita dizem: Ronaldo Ésper, *Ugo Castellana, Clodovil Hernandes, Dener Pamplona de Abreu.}
Update: *a moderadora do blog primeira fila, deixou aqui a informação de que não é Lino (que a gente acreditava que era, ao menos eram as informações da imagem) nesta imagem, eu tinha dúvidas de quem ele seria, porque não estava reconhecendo. Pois bem, não é ele mesmo, e sim Ugo Castellana. Contudo, deixarei o Lino aqui no post.
Esta imagem é o máximo, creio que seja das reuniões do que viria a formar a base da Associação da Moda Brasileira, cujo objetivo na época seria lutar contra a evasão de divisas e que contou com as figuras destes quatro cavaleiros, como chamo, cujos papeis e desdobramentos são bem particulares.
Esta era uma época que se falava, Dener falava aliás, de uma "Alta Costura brasileira" e da invenção da moda brasileira propriamente dita. Como entende-se moda, enquanto feitura da coisa, mercado, desejo, poder, realmente tudo veio à baila com Dener, com talento, destempero e muita vontade de ser Paris.
Mas prefiro pensar numa "Alta Moda brasileira", pois Alta Costura, além de ser uma denominação que goza de proteção jurídica, possui uma série de pormenores que a caracterizam e que a colocam numa distância enorme, até dos nomes mais caros da moda brasileira, gente que tem tecelagem própria e galera pra separar botão no atelier. Mesmo assim, a Alta Costura está muito longe da gente.
Mas voltando aos nossos cavaleiros.
Dener, paraense que veio ainda petit com a família para o Rio (capital, ex-Corte). Começou carreira ainda criança no Rio, na Casa Canadá, super importante à época. Adolescente veio para São Paulo e rapidinho abriu seu primeiro atelier, Dener Alta-Costura, que ficava na Praça da República e que, conforme sua progressão, por conta de prêmios e clientes abastadas, foi parar na Paulista que era assim, a glória.
O Dener é uma figura importantíssima para nossa moda. A gente pode dizer que foi ele quem acionou o gatilho, deu luz à coisa toda. Na época que ela já estava brilhando, sendo o estilista (na verdade eles preferiam a alcunha de **figurinista, mas o povão os chamavam de costureiros, porque as pessoas entendiam que moda era roupa e roupa era feita por costureiros rs) exclusivo da primeira dama e ganhando concursos que o Dior participou, a Alta Costura francesa estava tomando novo fôlego, com novos nomes, abençoados, em algum lugar entre o tempo e o espaço, pelo papai e organizador da Couture, o inglês Charles Frederick Worth. Mas isto é tema para outros escritos ;)
Mas Dener teve muitos problemas, tanto em relação a sua vida particular quanto em relação a sua vida profissional, porque o luxo (como ele dizia) é o máximo, mas pagar as contas é muito mais importante. A verdade é que, talento nenhum resiste a falta de organização, em todos os sentidos (vide Lacroix).
Super recomendo a leitura de Dener, O Luxo, autobriografia que elucida um monte de coisas da personalidade do Dener. Esta biografia foi relançada recentemente pela Cosac Naif.
Clodovil, desse tempo bem característico da nossa moda, é a minha figura favorita.
Sob esta figura, resguardo todas as minhas memórias afetivas por moda (e a novela Ti Ti Ti também, já falei, né rs?), já que não tive nenhuma mamãe, titia, vovó costureiras, nem nada disso. Aprendi sozinha na máquina de costura, que servia para a empregada cerzir os ternos do meu pai (e também para fazer vestido bem sem vergonha, seguindo a manequim e a moda moldes para ir pro forró nos finais de semana) a destruir um monte de roupas das minhas bonecas (que não eram barbies, eram chuquinhas, umas bonecas bebês do cabeção. uma coisa blithe feelings). Nossa, queria ter guardado, porque era um caos de rendas, uma coisa barroca rococó que deus me livre, feito por tudo o mais que eu visse dando sopa na sacola de retalhos.
Se você não assistiu Tv Mulher, não lembra das propagandas dos esmaltes Colorama, Clodovil gargalhando ao lado de um monte de "manequins" (como chamavam as modelos na época) você não me entenderá.
Quando eu consegui meu primeiro emprego formal, aos 16 anos, como ***"figurinista" (um zé mané que fica desenhando roupas feias para clientes feias que compram tecidos feios) das Casas Esplanada em Fortaleza, mesmo vestida daquele uniforme péssimo (saia lápis verde bandeira-horrível, camisa de botão verde cana-triste, mais coque preso com rendinha e laço preto-detestável, meia calça cor de pele-lágrimas e um sapato de salto baixinho preto-tipo sou carola, tudo horroroso; só que eu dava meus truques, quando o gerente não estava, eu bem trocava o sapato por meu all star risco de giz e sempre ao meu lado, a fiel mochila jeans cheia de botons e desenhos meus, tipo caveiras, mortes, fantasmas e bruxas rs, que já diziam a que eu vim, né?) eu sempre levava a memória do Clodovil desenhando modelos (croquis) na Tv Mulher. Ele e o gibi do Sandman eram a melhor companhia que este coração anarcofashion podeira desejar.
Ronaldo Ésper. O que falar do Ronaldo Ésper? Coloquem o nome desta pessoa no Google pra ver só o que aparece.
Sempre que passo pela Via Dutra sentido Rio, sou acompanhada pela figura do Ronaldo Ésper pelos outdors, não com sua "grife" de noivas, mas sim fazendo propaganda de máquinas de costura industrial e segurando a bendita agulha de ouro (que antigamente era um prêmio de moda).
Por mais que sua figura hoje seja um tanto associada a uma coisa pejorativa, ele tem um passado e uma história que vez ou outra a gente vê aflorar.
Lino Villaventura... né rs?
Primeiro mega recomendo a leitura da série Moda Brasileira, Lino Villaventura ( são 5 volumes na verdade, bem caro, mas super vale a pena, porque além do Lino, tem outros nomes factuais para nossa moda).
Outro paraense, mas este foi para Fortaleza, minha cidade natal, e que através de um talento e profissionalismo patentes, chegou aos grandes centros. Quando desfilou no começo das nossas semanas de moda, ainda no Morumbi Fashion Brasil (que só em 2001 virou São Paulo Fashion Week) ele já era referência.
Lino foi um dos primeiros a olhar com seriedade para o mercado internacional. Em 1989, quando então tinha um pouquinho mais do que dez anos de carreira, mas já era super respeitado e referência, foi convidado pelo Itamaraty para representar o Brasil na World Trade Fashion, uma feira internacional em Osaka. Daí em diante Lino só ascendeu.
A moda de Lino Villaventura ( Ronaldo Fraga e Zuzu Angel, sendo que a Zuzu pesava um pouco a mão, mas tudo bem) representa (m) de fato o que vem a ser a moda com ares e cara de Brasil. A mistura cabocla, morena, mestiça, as rendas, a estrutura, o esvoaçante, o conceito, o usável, o teatral. Tudo pode ser vestido sem parecer folk ou exótico ou étnico, em qualquer lugar, por qualquer pessoa, sem perder a informação de uma certa identidade, brasilidade. Mais ou menos como é ser um pouco francês usando um tailleur Chanel.
E estes são os nossos queridos (uns mais outros menos) cavaleiros da moda brasileira.
Estes escritos me ocorreram quando estava a pensar em um nome para figurar no post No Clima da Copa, em homenagem a (pseudo) vitória do Brasil.
Dai me ocorreu o Dener, dai que achei a imagem que ilustra a postagem, e fui reler as biografias, anotações, alfarrábios, e este é o resultado.
Bisous.
* trocadilho com os Quatro Cavaleiros do Apocalipse: Guerra, Fome, Peste e Morte.
** o termo é usado, segundo o dicionário, para denominar quem desenha figuras ou para quem cria figura ou estampa que representa o traje da moda ou ainda revista de moda (desuso), ou indivíduo que traja com afetação, segundo o rigor da moda ou exageradamente à moda.
*** expressão usada largamente nas lojas de tecido de Fortaleza nos idos de 1990, para se referir ao indivíduo, que nestes estabelecimentos, trabalha a desenhar figuras de peças de vestuário diversos para os clientes.