Estilo: Deixar-se ser por si mesmo, sem fabricações.

>> segunda-feira, 19 de abril de 2010



Tudo o que escrevi abaixo poderia ser substituído pelo título (aliás, mais inspirado do que o texto), mas como sou prolixa, vamos lá.

O que viria a ser estilo pessoal? Isso existe, que bicho é esse, o que come? Parece radical pensar assim, que estilo pessoal é uma ilusão, digamos. Mas procede. De certo ponto de vista, quando pensamos moda (a indústria que é) e no ramo das tendências, que funciona como fábrica, é quase fordismo (existem cursos que tratam somente tendência pré-fabricada) é quase uma verdade absoluta. Vivemos produzindo e reproduzindo coisas pensadas e repensadas para nos atingir de formas impensadas. Trocadilho infame detectado.

Um exemplo perfeito está no fatídico e fantástico O Diabo veste Prada. Quando Miranda fala para sua então assistente - que se julga completamente acima da moda (e das famigeradas tendências) e que desta desdenha - da cor de seu suéter horroroso, lhe abre os olhos (daquele jeito delicado, adouro) que ela só está usando aquela cor, porque alguém pensou aquilo antes, alguém da industria de alto luxo (entenda haute couture) pensou, fabricou, até chegar às lojas de departamento. Captaram a sutileza das cousas? 

Adendo: Pena que as pessoas não captam o que tem de genial (e perverso) n'O Diabo veste Prada.

Sempre tratei do assunto 'tendência' com bom humor, tentando desagregar - para mim ao menos - o peso que esta coisa toda tem, de imposição e ironia; basta lembrar que em países comunistas, nem faz tanto tempo assim, as pessoas se vestiam de forma homogenezida por imposição. Países sem liberdade de expressão (estilo tem muito de se expressar personalidade). No âmago da questão, estamos tão distantes assim?

Mas ao invés de digressar sobre, como, onde, quando qualquer coisa, o que vem a ser estilo pessoal (que na verdade é uma questão bem simples: expressar gosto, portanto personalidade, mas o seu gosto de verdade, mesmo que seja pela calça de tergal da Uruguaiana), é melhor contar a história da única pessoa que conheci (pessoalmente) desta feita: minha amiga Bel.

Contra tudo e contra todos, só usava o que estava do seu agrado e pronto, expressando sua personalidade na sua maneira de vestir.

A cor preferida: rosa.
Seu ídolo: Barbie.

O que sempre me pareceu um contra-senso, porque o que é a Barbie que um modelo - um dos máximos modelo - da alienação e subordinação? Só que Bel via a Barbie com o apego de quem simplesmente amava a boneca desde a infância. Era um gosto se expressando sem medo e sem amarras.

Fora que Bel não era loura, nem fazia escova. Aliás, mantinha seus cabelos castanhos cacheados o mais natural possível. Não fazia sobrancelha (na verdade mantém uma preferência por depilação ao gosto mediterrâneo), mas adourava uma maquiagem com brilho. E dai que opaco e matte estão na moda? Ela gosta é de brilho e deg litter.

E nem pensem que era uma alienada, louca, burrinha. Pelo contrário, das pessoas mais esclarecidas, cultas, inteligentes que tive o prazer de conhecer e de chamar de amiga. A melhor da turma toda, uma das únicas com diploma 'cum lauda' (com honra, notas máximas), poliglota, uma esteta. Bel é brilhante, simples assim. E por isso tudo era muito odiada, perseguida ao gosto bullying (e eu também) na universidade. Uma vez pixaram no cantinho que sentávamos : "não existe barbie morena, se toca, louca!"

E a gente riu muito disso, sabe?

Tinha uma coisa que ela usava que me irritava muito, mesmo, era um cinto de plástico rosa, surrado, que foi da priminha dela. Cinto de criança. Sempre que eu podia eu reclamava do diabo do cinto. Um dia, antes que eu terminasse a frase "Ah Bel, esse cinto" ela disse: "eu já sei o que você vai dizer, mas eu gosto dele assim mesmo".

E ainda bem que Bel é assim.

Confissão: eu voltei a usar cores, camiseta de banda e fofurices que sempre amei, por conta da influência da Bel em minha vida. Porque eu tenho mesmo que seguir um padrão? Apesar de que nunca segui, de verdade padrão nenhum?

Não era uma coisa de implicar com alguém que usava roupas curtas, vulgares, roupas velhas, sambadas, mal tratadas, roupas fora de proporção. Nada disso era o caso de Bel.

Super "antecipadora de tendências", ela já usava sandálias com meia (que estão usando na Europa agora, por sinal). Parece piada, mas não é. Mas é essa gente que se veste de doido, velho, tipo a Alexa Chung, que são as criadoras de tendência que o Sartorialist tanto ama. De verdade.

E não importa marcas, o que estão usando agora. Nada disso a interessava. O que lhe importava eram as formas, as cores e preços que lhe apresentavam alguma lógica. Se a achavam ridícula? Muito. Até para mim, amiga, as vezes ela parecia sem noção, mas não era. Era uma questão de estranheza de um ego pro outro. Não era algo copiável, não era possível, porque justamente, era muito pessoal tudo o que usava, entendem? Era, de verdade, estilo pessoal, ipsi literis.

Ela é o meu exemplo máximo de estilo verdadeiramente pessoal, uma espécie de Simone de Beauvoir troando na última velocidade e de rosa.


Bisous.

Imagem: Björk, o exemplo MOR de estilo pessoal. Incompreendida, taxada, ridicularizada... é tudo estranheza de um ego pro outro, porque é mais fácil deixar-se ser conforme os outros e não por si mesmo.


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