O prazer do erro e os pingos nos "i's

>> quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Daí que um professor de redação se depara com aquele aluninho problema, que gosta de ostentar a fama de gaiato, sem futuro, malandro e parece sim sentir prazer em errar. Este pobre professor, calejadinho que só, por conta dos erros, se pega comparando seus atos aos desastres que este aluno comete, e sente até uma certa, felicidade. "Nem errei tanto assim, como este menino, decerto sou uma pessoa bem melhor". Diga olá ao egoísmo. Ninguém escapa. A própria condição de nascermos e morrermos sós nos fada a isso. Contudo, mesmo neste momento doce de deleite interno pela condição imberbe e imbecil do seu aluninho, o danado do professor quer ajudar o menino, coitadinho (s). E a questão maior, na verdade a mais chata, em termos "redacionais", o elo que liga este professor e este aluninho, são os pingos nos 'i's. O aluninho problema grafa o i não com pingo, mas com uma bolotina sem vergonha, bolotina esta que não consta em nossa ortografia. Este fenômeno se manifesta também com o pobre 'j' minúsculo, mas por conta do peso que as vogais representam na formação das síbalas, o "i" e sua bolotina infernal representam um problema maior. E o professor mostra ao aluninho, através de exercícios, correções moderadas, conversa e diabo à quatro que 'i' pede pingo e não bolotina (nem florzinhas, nem corações). E nada do menino arredar o pé, pelo prazer do erro. Tanto faz se prazer em escrever esquecendo o vestibular vindouro, a normativa ou simplesmente em atormentar o pobre professor. De qualquer forma é um prazer mórbido em errar. Aliás, este sentimento é muito estimulado por outra máxima jericante, esta bem mais antiga, latina, o tal do "errare humanum est". Uma pitomba que é. Eis que três semanas antes do vestibular, o bendito aluninho devidamente inscrito e ainda teimando com as bolotinas. Nada dos esforços do professor darem resultado. O último exercício de redação foi entregue e em meio as oitenta redações estava lá aquela pop art em forma de redação. E o professor lembra que existem vários tipos de corretores de redação e como o vestibular é um mecanismo segregador e cruel, os redatores assim o são. O professor teve uma certa experiência com esta espécime acadêmica delicadíssima, os corretores oficias do vestibular. Um dos mais perversos inclusive foi seu orientador de estágio em ensino, que por sinal, o professor já havia consultado, em relação ao causo do 'i' com bolotina e o doce orientador corretor disse, sem mais delongas : zere. Zerar é um verbo muito querido no meio acadêmico. Numa primeira correção o professor assim corrigiu, com o máximo rigor. Lá pela metade o aluninho já havia zerado só pela falta dos pingos nos 'i's. O professor sentiu novamente um deleite interno mavioso, malvado e pessoal, daria um ótimo quadro para Velásquez. Mas dai o pobre professor, jerico que só ele, colocou-se no lugar do aluno e o desdobramento disso é que ele corrigiu como de costume. Vale ressaltar que só assim o resultado do aluninho já foi terrível. Com ou sem bolotinas o estrago seria grande.

E eis que todos erraram. E continuaram errando. O pobre professor que não se permite aproveitar seu deleite. E não corrige. E não ajuda. E o aluninho que não se corrige. E que não pára de se divertir, mesmo pagando as consequências. E eis que ninguém, ao final das contas, colocou os pingos nos 'i' s.


p.s.: Oferecimento de uma certa cerveja belga e alguns ótimos petiscos de provolone.




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