Conversa literária de noiva

>> domingo, 9 de março de 2008

Estou implicando com Baudelaire estes dias, não sei se é o cinza que teima em Fortaleza, muito que gosto, é artigo raro aqui, mas estou com ela me rondando o juízo. Não, não as Flores, mas os Paraísos . Em verdade um trecho das Visões de Oxford, Nossa Senhoras da Tristeza, é que me remete muito de imediato à Nossa Senhora do Líbano apesar dela não ser uma das faces de Maria triste sem seu Jesus, mas sim Maria jovem e seu pequeno menino-deus. Mas é que a arte bizantina tem dessas, uma melancolia austera, resignada, como a que sinto em Senhora d'Oriente, Nossa Senhora do Líbano.
O certo é que estes escritos de Baudelaire me tocam fundo, mais que qualquer outro poema de spleen, tavernas, etc... eu sei que, por vias diferentes, o sentimento deste texto me toca...

Levana e Nossa Senhora das Tristezas

"Vi muitas vezes Levana nos meus sonhos em Oxford. Conhecia-a pelos seus símbolos romanos." Mas quem era Levana? Era a deusa romana que presidia às primeiras horas da criança, que lhe conferia, por assim dizer, a dignidade humana.
"À hora do seu nascimento, quando a criança experimentava pela primeira vez a atmosfera perturbada do nosso planeta, pousavam-na no chão. Mas logo em seguida, temendo que uma tão grande criatura se rojasse no solo mais de um instante, o pai, como mandatário da deusa Levana, ou um parente próximo, como mandatário do pai, erguia-a no ar, ordenava-lhe que olhasse para cima, como se fosse o rei do mundo, e apresentava a fronte da criança às estrelas, dizendo-lhes talvez no seu íntimo: "Contemplai o que é maior que vós!" Este ato simbólico representava a função de Levana. E essa deusa misteriosa, que nunca revelou as suas feições(exceto a mim, nos meus sonhos), e que sempre agiu por delegação, recebe o nome do verbo latino levare, erguer no ar, manter erguido."
Naturalmente, foram muitas as pessoas que entenderam por Levana o poder tutelar que vigia e rege a educação das crianças. Mas não pensem que se trata aqui dessa pedagogia que apenas reina através dos alfabetos e das gramáticas; é preciso pensar sobretudo nesse vasto sistema de forças centrais que se esconde no seio profundo da vida humana, e que trabalha incessantemente as crianças, ensinando-lhes sucessivamente a paixão, a luta, a tentação, a energia da resistência." Levana enobrece o ser humano que vigia.Esta ama é dura e severa, e, entre os processos que mais gosta de usar para aperfeiçoar a criatura humana, aquele por que nutre mais afeição é a dor. Três dores lhe estão submetidas, as quais utiliza para os seus fins misteriosos. Como existem três Graças, três Parcas, três Fúrias, como primitivamente existiam três Musas, existem três deusas da tristeza. Elas são as Nossa Senhora das Dores."


Segue o texto a falar dessas senhoras, Mater Lachrymarum, Suspiriorum, Tenebrarum... dá para entender sem tradução.
Esta visão de Maria, remetendo à feições de deusas pagãs vigora até hoje em nossos altares. Ora, é muito cristã a idéia de que um bom deveto se faz através da pena e do pesar e para além de tudo, aceitar como desígnio divino e como nosso bem. É decerto muito cristão, mas é mais certo ainda, muito anterior aos cristãos, amen.

É curioso, não é?... passa o tempo, ciclos, vidas, ainda somos da mesma forma, tão do mesmo jeito qu'outrora.

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