Negócio da China - a visão estrangeira do estrangeiro
>> sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Lembrando que epistemologicamente, estrangeiro vem de estranho.
Usei esta expressão “negócio da China” super de propósito e super óbvio, para chamar a atenção para esta última polêmica envolvendo a Dior e o mercado chinês. Já havia lido e me programado para escrever algo sobre, através de um site americano, mas o imediatismo me bateu quando vi a notícia ratificada lá na Dona Lilian Pacce.
O que a expressão lhes diz? Que um negócio da China é algo super lucrativo e até fácil, né? E por que será? Por conta de uma série de pormenores revoltantes que caracterizam o mercado chinês. E é óbvio que isso é uma generalização e generalização não é o certo para analisar algo. Nem todo muçulmano é um lunático terrorista, nem todo morador de favela é marginal, nem toda loira é burra (na verdade conheci mais morenas burras) e nem todo chinês é um "pobre coitado" que tem que vender os filhos, a vida e a alma para sobreviver. Afinal, estamos falando de uma cultura que está ai há milênios.
Para quem ainda não sabe o que a Dior fez, leiam a chamada no site e mais profundamente no Tofu na China, colaboradora do site da Lilian Pacce e saberão do que se trata.
O certo é que a campanha organizada pela marca e com ajuda de um artista plástico chinês, Quentin Shih (que possivelmente se sente no topo da cultura de seu país), que se pretende bem humorada (e eu até acredito neste intento, vindo de quem vem) não agradou muito, porque pesou sobre si um ranço de racismo. Mas não é irônico pensar que este racismo foi elaborado por um artista chinês contra sua cultura? Depende da perspectiva, né?
Por exemplo, vocês lembram de uma mini polêmica envolvendo um certo cantor e música sertaneja e pagode, tempos atrás num certo programa das madrugadas? Óbvio que os artistas do meio se revoltaram um pouco, ficaram chateados, mas ninguém acusou o dito cujo do cantor de preconceito contra sua cultura. Sua Cultura? Sim, sua cultura, porque por mais que muitos não gostem, inclusive euzinha, a atual música sertaneja assim como o pagode, faz parte da cultura nacional brasileira, e também o axé, o calypso, o forró eletrônico, o funk carioca. Uma vez Luciano Huck (sim, ele mesmo, que decerto tem muito mais crédito com a nação do que qualquer intelectual) até declarou que o funk carioca é a legítima música popular brasileira. E é mesmo, minha gente. Só não é MPB, categraticamente MPB é outra cousa, mas música popular é, lato sensu, e é inegável.
E por que comparar as duas situações? Quentim Sigh com a campanha da Dior em seu país, colocando clones chineses vestidos conforme o comunismo das décadas de 1960 e 1970 em meio às modelos ocidentais vestidas de Dior, claramente afirmando que a marca veio pra trazer e fazer a diferença na cultura chinesa e o desabafo sinceríssimo de um certo cantor, afirmando seu completo desgoto e descrédito em relação à música sertaneja, ao pagode e afins?
Realmente precisa explicar? As situações são muito próximas.
A gente pode fazer ainda melhor, que tal pegar o exemplo da Carmen Miranda, que durante anos foi massacrada pela crítica brasileira, porque estava traindo sua cultura, passando uma imagem caricaturesca de República das bananas e chica-chica-bum?
E quem disse que americano quer saber de outra coisa em relação à América Latina? E até hoje, está praticamente do mesmo jeito, coqueirinhos e bananeiras.
Todo mundo sabe que o Brasil recebe imigração fortíssima vinda de países do Oriente, japoneses, chineses, coreanos. Uma pessoa bem próxima tem verdadeiro pavor dos coreanos (na verdade qualquer indivíduo com olhinhos puxados), que aqui abrem pastelarias, lojinhas de artigos "importados" como batas chinesas, leques, estas coisas, porque afirma que todos são de alguma máfia coreana, chinesa, japonesa. Em nenhum momento ocorre a este indivíduo que estas pessoas vêm pra cá tão simplesmente pra sobreviver. Certo que não é tão simples, tem a questão de contrabando e até trabalho escravo, mas generalizar é limitar demais uma questão cheia de nuanças.
Uma vez li de um jornalista que tenho (tinha, sei lá rs) o máximo respeito a seguinte declaração sobre Villaventura: "imaginar que alguém estava fazendo algo tão bacana lá no Ceará."
Porque é impensável, de repente, que alguém lá do Ceará, do Pará, da China (rs) possa fazer alguma coisa surpreendente, que não seja renda de bilro (ou exportar o Tiririca), universalizar o açaí ou as batas chinesas?
Por que, quem sabe, este jornalista se sente o supra-sumo de sua cultura, como o Quentin Sigh?
Por estas e outras é que não deixo de me chocar e me sentir estrangeira dentro do meu país. Quando quero trazer algum conforto para minha existência, lembro de Fernando Pessoa: minha pátria, é a língua portuguesa.
Ósculo.
Imagem: uma das cenas mais fortes da minha vida, este estudante parando os gigantescos tanques no terrível evento do massacre da praça da Paz Celestial. Olha só a ironia da vida, né? Não se sabe ao certo se este rapaz está vivo ou morto, escondido na área rural chinesa, o certo é que a imagem de 1989 ficou.