Lembranças da província

>> segunda-feira, 20 de abril de 2009


Acordei meio quebrantada, males de mudança de clima. Sou muito que sensível a estas mudanças. Na verdade, detesto mudanças de qualquer tipo, apesar de que sempre passo por elas, muito mais do que o envelhecer do meu rosto ou o mudar os quadros da parede. O organismo me acompanha, pois sempre reclama quando os ventos mudam.

Deste quebrantamento lembrei de repente de uma certa data que passou, correu na sexta, uma certa data, de alguns poucos muitos anos da província em que nasci, 283 anos da Fortaleza.

Tantos e ao mesmo tempo tão poucos anos de belezuras sim, mas de mazelas muitas. Esta é a história do país todo, aliás, apesar de que em cada canto desta terra as pessoas teimam em se estranhar, estranhar a tez, o acento, as feições, os dizeres, como se não fosse toda esta diversidade, no final das contas, um código final em que todos se entendem, mas sem se compreender in essentia. Tudo a mesma cousa.

Euclides da Cunha disse em seu Sertões, livro muito macho já dizia Vera, "que o sertanejo é antes de tudo um forte". Olhem que é mesmo, porque a maior prova de força é aguentar o que há dentro de nós e o Rosa disse que o "Sertão é dentro da gente".

Concordando, subscrevendo tanto o Euclides como o Rosa. Mas quando penso em brasileiro não me ocorre a besteira marketante do "não desisto nunca", mas sim que ser brasileiro é antes de tudo não se compreender. Eu sou exemplo puro disso. Há muito compreendi que não compreendo isso daqui, por isso que é tão bom as vezes, a ignorância é uma dádiva, não é mesmo? Mas tão senhora de mim e arrogante, tão conhecedora, tão versada em prosa e verso, tão consciente, mas que só aprendi a reconhecer a riqueza cultural dos meus conterrâneos com uma francesa, numa digressão sobre Camus. Uma doce megera, ma Professeur.

Acordei rabugenta, como se acordava nos piores dias de sol daquela cidade tão clara, tão familiar e ao mesmo tempo tão inóspita a quem não tem hábitos de descortesia e sombrinhas. Não que por outras bandas não se tenham os mesmos problemas, contudo é mais uma questão de espaço psico-físico. Gente mal educada há em todos os lugares? Bien, em minhas andanças aprendi que algumas terras a safra é mais farta.

Isto tudo é problema, raiva das raízes? Minhas raízes são diferentes, têm gosto de açaí, café pilado e um pouco de cuscuz de milho com coco. Sou como planta teimosa, que se agarra e arranca pela raiz e a deixa morrer tostando ao sol. Mas se alguém a pega e lhe deita em outras terras, floresce novamente. Desta feita não trago comigo nenhum problema de raízes, pelo contrário. Minhas raízes estão onde estou.

Mas lembranças tenho muitas, lembranças da província. O balançar da rede, os ventos de setembro e outubro que me deixavam lindo o varal e carregavam meus balões de criança. As primeiras letras, a voz do velho, os dias mais claros de minha vida, os recônditos daquela cidade... um certo banco do Shopping Aldeota, em frente a Praça Portugal, minha visão mais cara da cidade e era esta, não seus verdes mares bravios da Iracema do tio Zezin, tão desgarrado quanto eu.

Sinto falta da fartura feia e convidativa das mercearias de bairro, onde se achava pequenos inúteis tesouros, como meu esmalte noir de adolescente. As cadeiras nas calçadas, a conversinha à boca pequena, a pracinha do Benfica, as poucas livrarias decentes.

Os ilustres filhos da Fortaleza, tão conhecidos em seu ciclo de segurança, das conversas dos bares e restaurantes da moda, os civilizados e conhecedores da verdade da Fortaleza que conjecturam ser muito que bem pensada nos centros culturais, nos parcos teatros, em suas universidades.

Fui assim, deste entendimento acadêmico das cousas, que acaba por tão modesto perante às cadeiras nas calçadas, o fuxico das comadres, o comércio do mercado central, que cheira à licores da terra, tapioca com queijo coalho, urucum e algodão cru, tão bom pra fazer bolsa.

Muitas e minhas lembranças da província.

Um cheiro, só por hoje ou quando me der na veneta.

Imagem: acervo pessoal.

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